Eu já subi no ônibus feliz da
vida porque tinha acabado de olhar no relógio e visto que ainda era cedo. Dormir
uns trinta minutinhos antes do estágio, quem sabe. O motorista me cumprimentou
com um "Boa tarde, moça!" bem enérgico e
eu respondi de volta, rindo. Sentei atrás da mulher com um neném de colo e
outro de quatro ou cinco anos de propósito. A senhora do meu lado tinha o maior
jeitão de vovó. Aquelas vovós bem doces, que sabem conversar com estrelas e
plantas, que não conhecem cheiro de tristeza, nem sabor de saudade, que não
usam os olhos pra chorar e nem a boca pra dizer coisas feias.
O neném na minha frente se mexia
o tempo todo, muito inquieto. Queria pipoca doce e a mãe não deixava, pedindo pacientemente para que o filho mais velho escondesse o saco, dizendo que assim
o menorzinho não ia querer tomar o leite quando chegasse em casa.
O menorzinho. Tinha o cabelo
loirinho e os olhões bem grandes. Gritava, esperneava. Queria ficar de pé no
colo da mãe, que insistia em colocá-lo sentado, de frente. Eu comecei a sorrir
desde a hora em que notei sua pequena e linda presença, e resolvi dedicar minha
viagem a observar o comportamento daquela família. Pedi mentalmente: "Vira ele
pra cá, vira ele pra cá." A mamãe desistiu e virou. O neném me viu e riu. O
balanço do ônibus o fazia gargalhar, e a risada aumentava de volume de acordo
com o aumento de velocidade do motorista. A risada era linda: tentou ficar no
ônibus e não coube, tentou sair pela janela e não passava, de tão grande que
era. O neném respirou um pouquinho mais fundo como quem se recupera e ainda de
frente pra mim – ainda bem! – começou a fazer aqueles barulhos e gemidos
incompreensíveis de bebê que ainda não sabe falar. Tirei os fones de ouvido pra
prestar mais atenção na conversa:
- Aaaaaah. Ahn, mamamama.
- Ah, eu vou muito bem, e você?
- Dadadada. Da.
- Foi mesmo?
O ônibus voltou a sacudir e o neném
voltou a rir. A senhora com jeitão de vovó percebeu o meu fascínio óbvio e
comentou:
- Coisa boa de se ouvir, né? Por
isso que Jesus disse que quem não se fizer como uma criança...
- Não herdará o Reino do Céu. – completei.
Na verdade, eu já tinha notado a
bíblia no colo dela. A cor me chamou a atenção: era rosa, igual a da minha
mãe. Ela sorriu, pediu que eu desse
sinal por ela e desceu:
- Tchau, tenha uma boa tarde,
Deus abençoe você, viu?
- Amém.
Amém. Amém é "que assim seja." E
foi. Juro que deu pra ver Deus sorrindo pra mim através do teto do ônibus.
Olhei pra cima e agradeci. O dia estava ganho.